Fernando Pessoa - poemas
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Ricardo Reis


Não a Ti, Cristo

Não a Ti, Cristo, odeio ou menosprezo Que aos outros deuses que te precederam Na memória dos homens. Nem mais nem menos és, mas outro deus. No Panteão faltavas. Pois que vieste No Panteão o teu lugar ocupa, Mas cuida não procures Usurpar o que aos outros é devido. Teu vulto triste e comovido sobre A 'steril dor da humanidade antiga Sim, nova pulcritude Trouxe ao antigo Panteão incerto. Mas que os teus crentes te não ergam sobre outros, antigos deuses que dataram Por filhos de Saturno De mais perto da origem igual das coisas. E melhores memórias recolheram Do primitivo caos e da Noite Onde os deuses não são Mais que as estrelas súbditas do Fado. Tu não és mais que um deus a mais no eterno Não a ti, mas aos teus, odeio, Cristo. Panteão que preside À nossa vida incerta. Nem maior nem menor que os novos deuses, Tua sombria forma dolorida Trouxe algo que faltava Ao número dos divos. Por isso reina a par de outros no Olimpo, Ou pela triste terra se quiseres Vai enxugar o pranto Dos humanos que sofrem. Não venham, porém, 'stultos teus cultores Em teu nome vedar o eterno culto Das presenças maiores Ou parceiras da tua. A esses, sim, do âmago eu odeio Do crente peito, e a esses eu não sigo, Supersticiosos leigos Na ciência dos deuses. Ah, aumentai, não combatendo nunca. Enriquecei o Olimpo, aos deuses dando Cada vez maior força P'lo número maior. Basta os males que o Fado as Parcas fez Por seu intuito natural fazerem. Nós homens nos façamos Unidos pelos deuses.









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